A vaca parou diante do matadouro. Era jovem, aquela era sua primeira cria. Foi imolado pouco depois de completar um ano, era negro e lustroso, ainda brincava. O filho do fazendeiro veio acariciá-la, o contrário do pai que a puniu severamente. Lanhou o lombo do bicho, mas uma vaca é algo muito grande e forte, muito maior do que o ódio e a sanha do homem. Ela não saía do lugar, o menino diariamente a abraçava e conversava. Suas pernas começaram a endurecer, uma artrite pesada corroía seus joelhos e articulações. Seu focinho apontava para o abatedouro, estacara exatamente no local de onde vira seu filho pela última vez. Não houve despedidas, o novilho mal olhou atrás, ingênuo, não sabia que daquele corredor nenhum bezerro retornava.
Os outros patos não veem dessa maneira, mas ela está parada exatamente no mesmo lugar. Ninguém mais se importava na fazenda, só o menino. Ele entendia. Nunca perdera um animal de seu, diferente do pai, hoje fazendeiro duro, sujo, fedido, enrugado antes dos quarenta anos, ardendo e tostado de Sol. O pai crescera perdendo as reses, que abraçava com mais candura do que o filho agora.
-Solta a vaca, menino.
Deu um empurrão no filho. Crescera perdendo as reses. Nunca vira uma mãe parar no lugar depois de perder o filho. Nem sua mãe mesma ficou assim depois que o irmão mais velho morreu no acidente de carro. Capotado. A carne não serviu para nada. Caixão fechado. Rezaram a noite toda. Três filhos pequenos, menores do que seu menino agora.
-Solta a vaca, menino.
O filho suspirou resignado. Entendeu. Virou-se de costas. Tapou os ouvidos com força. O pai disparou uma bala na têmpora da mãe. Os outros patos acham que ela protestava por outra coisa, que o sacrifício era precoce. Ninguém se opõe à morte, seria mesmo tolo, diziam entre si, ninguém poderia se opor à morte. Seria tolo.