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‘Dona Jandira, a maluca do 304.’
Sentou na cama aos berros.
Em sessenta e quatro anos de vida, Dona Jandira nunca tinha sonhado algo assim. Eram três soldados. Pela pouca lembrança da velha, eram Romanos. Despiam-a em um trono maciço.
Passou o dia com a lembrança do sonho na cabeça e com um “quentume” estranho no corpo.
Achou uma heresia, imagina. Viúva, carregava a honra de quarenta e oito anos de casamento bem sucedido. Filhos criados, netos, casa própria e todas essas outras coisas que os pais insistem em achar que é herança.
Quando chegou no mercadinho do bairro, levou um susto que fechou a respiração. Jandira, reconheceu no rosto do mocinho que pesava legumes e hortaliças um dos soldados do seu sonho. Marejou os olhos, pôs a mão dentro do casaco de lã, procurando contato imediato com o terçinho de Fátima. O garoto devia ter o que? Seus dezoito anos?
O que afligia Jandira, não era o fato do menino vender hortaliças, e sim, os dezoito anos.
Largou a lentilha e o pedaço de toucinho na bancada de tomates e saiu pra acender um cigarro. Sim. Tinha o vicio desde nova, aliás, fumar era um dos prazeres que dividiu com o amado durante quarenta e oito anos. Tentou parar algumas vezes depois de visitar confessionário, mas o marido fumava até cagando. Não tinha como.
Tinha na pele uns riscos que remetia os sessenta, mas nada tão pré histórico, embora o cigarro deixasse claro nos dentes o tempo de uso.
Tentou puxar o credo. Não lembrava. Tentou um Salve Rainha e não chegou nem no segundo pedaço. Só lembrava do soldado, do trono e dos dezoito anos.
Voltando pra casa, entre cânticos e choro de memória, descontava a crise apertando a bituca com os dedos. Ficou silenciosa durante uns quatro dias, nem a vitrola ligava. O sonho a perseguiu feito evangélico. Lembrava na missa, lembrava no fogão, lembrava estendendo roupa, lembrava na sala e se segurava pra não lembrar na hora do banho. Afinal, no banho tem coisas que são boas de lembrar.
Acontecia com Jandira algo que nem eu sei descrever. Tinha fé. Casou porque quis. Teve filho porque o pai queria. Se confessava e não mentia. Foi omissa e sua postura sempre foi secundária dentro de casa. Se anulou diversas vezes por quarenta e oito anos. Jandira, era do jeitinho que Deus gosta.
Se questionava como que agora, quase na fila pra porteira do céu, sonhava com o menino que tinha idade sei lá, pra ser um bisneto?
Ao mesmo tempo que se questionava, havia em Jandira uma certa tranquilidade com o fato. Na verdade, variava. De manhã se achava um monstro. Na hora do almoço perdia o apetite pelo possível tesão no menino que vendia alface mas no fim da tarde, Jandira se debruçava com a gata na janela só pra ver ele fechar a porta de aço do mercadinho.
Passada duas semanas e sendo quinta feira seu dia rito, Jandira esperou dar seis e meia da tarde e então, telefonou:
-Boa Tarde. Eu queria fazer uma encomenda.
-Estamos fechando, senhora.
-Eu moro na rua mesmo, no 304.
Jandira então passou a falsa listinha de necessidades e com uma certa tremedeira contida, aguardou a confirmação de item por item. Desligou. Ansiou pelas dezenove horas.
Toca a campainha. Jandira então aperta o interruptor do abajur, que compõe o cenário da sala da viúva de respeito:
-Entra. Tá aberto.
A porta abriu lentamente tímida. A luz quente do corredor, compunha quase um vitral que estampava o carpete da sala. Fez da poltrona trono e se incumbiu de fechar as cortinas para que ninguém que morasse na frente notasse. Com a gata no colo, Jandira esperava a entrada do seu soldado de dezoito anos.
E como Deus está em todos os lugares, era mesmo o menino que trazia a encomenda.
Jandira então, pôs a gata no chão, se levantou com as mãos espalmadas, quase como um Cristo na cruz, revelando ruga por ruga que ganhou na trajetória de quarenta e oito anos de açúcar.
-Entra, soldado.
O menino, tadinho. Pôs o pacote perto do batente da sala e no rosto, esboçava a tragédia. Saiu correndo. Jandira, sem entender se pôs a correr pelada pelo corredor, gritando pelo seu soldado de ouro. O menino, bateu a porta e seguiu o caminho. Ela então olhou por instantes no espelho emoldurado de entrada. Se sentiu uma prostituta. Uma prostituta descoberta aos sessenta e quatro anos. Sorriu.
Entrou para o apartamento com um prazer de não segredo que carregam as coisas. Se tocou ao som da vitrola. Gozou.
Desde esse dia, entre cânticos e choro de memória, é assim que Jandira é conhecida no bairro dos Milagres: A maluca do 304.
Se põe na janela pelada e gargalha com um amor precioso de quem se é.
Deus estraga. Estraga e está em todos os lugares.
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