Saindo do vagão as pessoas corriam. Eram cinco horas da tarde e elas disparavam, primeiro pela escada rolante, e quando esta enchia de gente correndo, a ponto que ninguém mais podia correr, corriam então pelas escadas normais. Da primeira vez que viu isso não entendeu direito; pensou ser estranho tanta pressa, será que estavam todos atrasados? Não, esse horário não, devem é querer chegar em casa mais cedo. Mas até isso era ilógico. Andando, pegou a fila da escada rolante e subiu, parado.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Dia após dia, saindo do trabalho, pegava o metrô e, descendo na Luz, se deparava com a mesma cena, sempre as pessoas correndo e correndo. Ele ia com mais calma, levava sua maleta na mão e se apertava entre as pessoas na escada rolante. Que aperto aliás! Será por isso que as pessoas correm? Para fugir do aperto, e dar mais espaço aos outros. Corriam na saída do vagão, a porta mal se abria, se atiravam, como se tivesse algum prêmio a quem, se desvencilhando aos trombos dos outros, chegasse primeiro lá em cima.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
De fato ele ficava um pouco impaciente pegando a fila, não era o aperto, na verdade não sabia bem o que era, mas sentia às vezes até um asco das pessoas. Talvez fosse a fome; sentia essa raiva nos dias que comia sanduíche e não almoçava. Mas os dias que não almoçava era porque não dava tempo. Nunca correu às cinco da tarde, mas já às oito da manhã, pois estava atrasado. E nesses dias também sentia raiva. E também nos dia que caminhava muito no centro, entre tantas pessoas que, correndo-andando, só não corriam, porque na calçada só se pode, no máximo, correr-andar. Todas correndo-andando sem chegar a lugar nenhum, se precipitando por entre o vazio e o nada, pois caminhando ou correndo só se chega a morte. Mas ele não pensava isso, de fato não pensava muito, só sentia; sentia uma ânsia crescendo dentro de si, e uma pressa começava a formar, e ele corria andava nas calçadas, como todo mundo.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Começou a se sentir na fila da escada rolante como se sentia num engarrafamento atrás do volante; não tinha lugar nenhum que precisasse chegar logo, mas continuava sendo desconfortável aquele ritmo parado, ou andando de passo em passo. A engrenagem que girava nele se aproximava cada vez mais da engrenagem que gira o sistema, e o ritmo das suas batidas cardíacas cada vez mais com o ritmo das marteladas, das caixas registradoras e do ponto eletrônico.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Foi aí que ele correu, um dia desses, cinco horas da tarde na Luz, deixando os outros para trás e subindo a escada rolante num pique só. Sentiu um prazer malicioso quando, depois de escalar aquele monte, viu de um lado as pessoas se amontoando em fila, e do outro, a próxima escada rolante, quase vazia. Na primeira vez que correu subiu a segunda escada rolante parado. Na segunda e na terceira também. Na quarta se sentiu incomodado, e na quinta foi andando devagar pois não conseguia esperar parado. Um mês depois ele já corria duas escadas rolantes e ia correndo-andando pelo resto da estação até a plataforma do trem, onde parava e lia as notícias enquanto esperava o trem, assim não sentia que estava perdendo tempo. Por onde ia tinha gente como ele, correndo e correndo-andando a estação toda, às vezes parecia que faziam isso em voltas, que a pressa, como uma crise alérgica, fosse tão incontrolável e incômoda que as pessoas se repetiam nos caminhos só para não parar, mas isso devia ser apenas impressão.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Daí no começo de setembro ele teve uma reunião importante que demorou muito mais do que era previsto, de forma que eram onze horas da noite de uma terça-feira e ele ainda estava no metrô.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Pela República todos já haviam descido do vagão, e ele estranhou aquele silêncio, aquele vazio, se levantou e começou a procurar por todo os lados se não havia alguma outra alma meio viva ali. Nem se deu conta que o metrô havia parado até que as portas se abriram e, com grande desconfiança e um sentimento estranho surgindo nas suas entranhas, deu um passo para fora e olhou para os lados.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Ninguém, absolutamente ninguém, todos os sons eram mecânicos e digitais. Pois não havia porque correr, sem ninguém não havia fila é óbvio. Andou, andou até a escada rolante, e andou nesta também, porque, por mais que pudesse, sentia agonia em ficar parado. Quando estava quase no fim da escada rolante seu caminhar já era quase um trote e, chegando ao plano da segunda, esta também vazia, começou a acelerar até que estava correndo e já não podia mais parar. Correu a escada rolante inteira, depois virou e correu pela área de transição, se havia gente ou não ele já não via mas apenas corria cada vez mais rápido, assim também foi por cada curva e todo espaço aberto da estação e chegado na linha do trem pulou de dois em dois degraus a escada e num salto acelerou e percorreu a plataforma inteira até que esta acabou e correu pelo vão, o trilho e a morte.