Escadas rolantes

Saindo do vagão as pessoas corriam. Eram cinco horas da tarde e elas disparavam, primeiro pela escada rolante, e quando esta enchia de gente correndo,

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Não somos livres

Não há grande liberdade em ser mulher.

A gente se acostuma a ter que ser polida, gentil, meiga, bonita e delicada pra não ser chamada de puta ou mal amada. Não há autonomia ou direito à personalidade.

Quando crianças, há moldes cor de rosa. E nos presenteiam com guias para a vida que querem pra nós: mini-vassouras, pequenas cozinhas, sacolinhas de feira, bonecas-bebês, princesas e kits de maquiagem.

Na escola, nossa letra precisa ser arredondada, nosso caderno, limpo e bem cuidado, e a gente aprende como uma moça educada deve se sentar, brincar e ser.

Nossos ouvidos se familiarizam desde cedo com piadas de mau gosto e palavrões disfarçados de elogio.

Enquanto a gente caminha é preciso cautela. Um olho na rua o outro em quem vem atrás de nós. O medo é companheiro constante quando estamos sós.

E se nos agridem ou violam ou estupram, a gente deve ter pedido, a gente só pode ter causado…

Se nos decidimos por não depilar as pernas ou axilas, também é preciso acostumar com os olhares reprovadores, os risinhos de deboche e os comentários de opinião maliciosa.

O corpo não é nosso. Assediadores ainda se desculpam com nossos companheiros. É preciso recorrer ao clandestino para interromper uma gestação não querida. E a beleza é limitada, estereotipada e cruel.

Falta de vaidade é desleixo, excesso de cuidado é vulgar ou frívolo. Não podemos ser gordas, nem magras, nem deixar as sobrancelhas por fazer. Temos de ter unhas pintadas, cabelos compridos e uma elegância natural no modo de andar.

Querem nos obrigar a ser mães. E nos chamam de egoístas e incapazes se não queremos ou não conseguimos. E quando o somos, nos ditam regras e nos cobram instinto, santidade e perfeição.

Não há uma gota sequer de liberdade na maternidade. Todos têm algum palpite, alguma crítica ou pitaco sobre o parto que queremos, a dor que sentimos no puerpério, o aprendizado do dia a dia e a educação que decidimos tentar. Há julgamentos por todos os lados.

No parto, somos violentadas. Agredidas verbalmente e punidas fisicamente. Ou nos munimos de muita informação e retaguarda fiel, ou não seremos sequer protagonistas do próprio parir.

É preciso se habituar com as miradas críticas ou invasivas quando o bebê abocanha nosso peito. Nem mesmo a nutrição do próprio filho é permitida.

Mamilos femininos são considerados polêmicos, agressivos e devassos, não importa muito o contexto.

Não raramente nos podam a fala. Não raramente minimizam nossas colocações e subestimam nossa inteligência. No trabalho, na política, nos espaços públicos.

E a nossa jornada é dupla. A nossa remuneração é baixa. E sempre vão questionar como é que aquela moça bonita conseguiu aquele alto cargo na empresa.

Até nos assentos dos transportes públicos, a gente precisa se encolher para que as pernas masculinas possam ficar confortavelmente abertas.

Ao redor do mundo, já nos enfaixaram os pés e impuseram espartilhos. E em nome das tradições, ainda há lugares em que nos mutilam. Há burcas, literais e psicológicas.

Quase não há liberdade em ser mulher. A gente não precisa de licença e autorização para o que deveria ser nosso por direito. No entanto, cada passo livre é uma batalha vencida que nos exige força e coragem. Independência e autonomia, pra gente, é libertação.