O tatu e o caracol

O caracol, que sentia muito bem as oscilações da terra e que gostava de se antecipar aos perigos, sabia que no pé da montanha de trás um bicho correu sozinho de um predador e pensou “é uma harpia, vou me esconder no buraco grande daquela árvore”. Tentou avisar os demais que havia um predador faminto […]
O muriqui, o canindé e o jagüarundí

Todo dia o muriqui descia no meio das capivaras para buscar os frutos caídos e levá-los aos filhotes, vinha sempre no mesmo momento do dia, calmamente passando entre as capivaras, mais sossegadas ainda, coletando os frutinhos sem temer nada, sob a sombra de um grande araçaizeiro. O muriqui não notara que havia algum tempo um […]
Escadas rolantes

Saindo do vagão as pessoas corriam. Eram cinco horas da tarde e elas disparavam, primeiro pela escada rolante, e quando esta enchia de gente correndo, a ponto que ninguém mais podia correr, corriam então pelas escadas normais. Da primeira vez que viu isso não entendeu direito; pensou ser estranho tanta pressa, será que estavam todos […]
Oliphant e Rigby

São sobrenomes distintos, de duas pessoas distintas, não contemporâneas, porém atemporais, de universos artísticos diferentes – uma da literatura, outra da música – mas que têm o mesmo nome de batismo: Eleanor. Bonito nome. A Eleanor da literatura é funcionária administrativa de um escritório de design, não sai de casa, a não ser pra trabalhar, […]
Festival Dezindie – Som e silêncio

Escrevi esse texto no ano passado, depois de fotografar a banda “E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante” no Festival Dezindie 2018, no Parque Botyra, em Mogi das Cruzes. Um dia memorável, no qual conheci pessoas incríveis, ótimas bandas e me aproximei um pouco mais do projeto independente mogiano. “Projeto”, no singular, porque acredito […]
Grito de antes/diante do fim do mundo

Multiplicidade do real Tendência, interpretação Explosão ininterrupta do futuro Todos os nossos planos São futuro do passado Desparecem E o que se avoluma é o falso Diante de todas as possibilidades de verdade, A que nunca existiu Toma as primeiras páginas Na hora em que todos falam Nossa voz eh impotente E assistimos – bestializados […]
Quipã

Preliminar. Tua cara de preguiça. Teus lânguidos lumes. Tua boca esboçando uma lenta fome que se coça. Se aproa do teu peito uma quentura desmedida. Começo a recolher os dedos de meus pés: eis o monstro invertebrado embaixo da chama que alastra-se em segundos; aqui estamos banhados em álcool e o sono afugenta-se entre ritos […]
Diário do silêncio. Segunda Parte | Ombros de Umbral

Acordou subitamente num estalar de dedos com os olhos escancarados. Teve um sonho peculiar. Assustador. Sonhara que estava amarrada pela língua numa figueira enquanto um metade cachorro metade homem mordia-lhe o calcanhar. Agonizava. Ao lado dela, outra meia duzia de pequenas e suspeitas declarações. Outros que também pela língua, amarrados, esperavam sua hora da mordida. […]
Breve nota sobre o capitalismo urbano.

Nasci em algum lugar na região central da cidade de São Paulo, no ano de 1989. Não me recordo da primeira vez que vi o mar, que pisei na grama ou que vi um cachorro. Por volta dos sete anos meu avô paterno, numa tarde em São Vicente, me levou para pescar: varas de bambu […]
Diário do Silêncio

Primeira Parte – SÚCUBO. Ontem, imaginei-me súcubo. Espreitando teu sono na véspera de uma tola meia noite. Percorrendo cada desgraçado contorno que teu corpo faria despido na cama. Na surdina. Invisível. Cada espaço vago. Cada curva. Por duas ou três vezes. Passaria minha boca na pele e guardaria inflamado nas narinas o seu cheiro. Súcubo. […]